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COP-26: Manual de Sobrevivência

COP-26: Manual de Sobrevivência

Por Cindy Correa* – Estadista é quem entende a importância do dia de hoje na história. Essa frase, citada pelo Embaixador José Carlos da Fonseca Jr., me marcou em meio aos vários seminários digitais que tenho acompanhado sobre mudanças climáticas e preparativos para a COP-26, Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que acontecerá em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021.

É verdade, este não é um momento trivial da história da humanidade. E não tem sido fácil fazer parte de eventos históricos, como tem sido o enfrentamento ao Corona vírus. De cada 10 brasileiros, 4 relatam problemas psicológicos decorrentes da pandemia (segundo pesquisa da Datafolha). São quase 600 mil mortos, incontáveis alunos mais de ano longe da escola e o agravamento da crise econômica.

Além disso, temos um cenário de catástrofe climática documentada cientificamente no sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC); e já estamos degustando os impactos da radicalização climática, como a quebra da safra do café, enchentes no Norte e crise de energia e água no Sudeste do País, entre outras.

Não há um lugar na Terra que ainda não esteja sentindo desdobramentos do aquecimento global. Queria até falar que o alto preço do gás de cozinha era decorrência das mudanças climáticas, mas esse problema tem outra causa.

Não é só mais uma reunião internacional
A relevância dessa COP-26 não pode ser subestimada. Se tudo der certo, esse evento global vai regular o futuro. Pode forjar um novo plano para a economia global. Isto é, os principais países do mundo estão se preparando para tomar decisões importantes sobre o urgente Acordo de Paris e o mercado de carbono global. Segundo a narrativa que está sendo construída para o evento, estamos em uma corrida para um mundo mais saudável, justo, resiliente e de zero carbono. A indicação científica é que teremos uma década decisiva para a humanidade – uma década que determinará como vivemos, onde vivemos e se vivemos. E o desejo dessa COP-26 é ser o marco regulatório desse tempo.

Acorda gigante adormecido
Portanto, não podemos chegar lá apequenados. Afinal, fazemos parte desse mundo, dessa geração e, se sobrevivermos, do amanhã também. De verdade, o mundo não pode falar de combate às mudanças climáticas sem falar de Amazônia. Por isso, o Brasil não pode deixar de ser protagonista.

Temos cacife para participar dessa reunião como voz ativa. O País já tem uma matriz energética muito renovável, com uma média 46% frente a média mundial de 14%. Concentra 12% da água doce do mundo, já trabalha em sinergia com a natureza em muitos segmentos, inclusive em alguns do agronegócio, com um enorme potencial para o mercado regulado de carbono. Temos muito o que agregar e devemos ser ouvidos, mas precisamos fazer a lição de casa. O País precisa tomar ações fortes contra as ilegalidades que afetam principalmente a Amazônia. Não podemos aceitar calados a queima criminosa da nossa riqueza em prol de garimpo, grilagem e outras ilegalidades.

É emprego verde que você quer?
Nossa vontade de protagonismo nessa pauta não é só evitar o fim do mundo ou querer impor a Amazônia na cara da sociedade. Temos diversas realidades e particularidades que precisam ser contempladas nessa negociação e no estabelecimento de regras que podem, se bem negociadas, impulsionando a economia verde brasileira.

Estudo da World Resources Institute (WRI) Brazil estima que o mercado de carbono pode gerar 2 milhões de empregos e até adicionar R$ 2,8 trilhões ao PIB brasileiro. Para um país com quase 15 milhões de desempregados, são números esperançosos que dependem da estruturação dessa nova economia.

Muitos serão os desafios nessa reunião e muita notícia com tom de novela mexicana vai rolar, mas um dos pontos fundamentais que pode azedar a negociação tem relação com o valor prometido pelos países ricos para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento. O montante prometido em 2009 foi de US$ 100 bilhões anuais, mas quase nunca atingido. Muitos países ainda defendem que mesmo os US$ 100 bilhões são pouco.

O que são os gases de efeito estufa?
Tema muito falado, a regulamentação do mercado voluntário de carbono global será debatida, com atenção especial ao Artigo 6 do Acordo de Paris. Para entender a importância desse ponto, vale voltar na explicação do que está acontecendo no clima — aquecimento global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Isso passa pelo aumento significativo na atmosfera dos gases de efeito estufa (GEE), que são CO2, metano, óxido nitroso, hexafluoreto de enxofre (SF6) e uns gases de flúor, HFC e PFC. Entre os GEEs, dióxido de carbono é um dos principais causadores do efeito estufa.

O futuro apocalíptico do IPCC
O novo relatório do IPCC, que é o novo texto de cabeceira sobre os possíveis impactos da mudança climática, desenha cinco cenários em diferentes graduações. Vou trazer dois aqui: o mais otimista e, outro mais extremo — o da inação. Se agirmos de forma agressiva hoje para reduzir as emissões principalmente de CO2, a humanidade pode limitar o aumento da temperatura média em 1,6° C até o meio do século e reduzir 0,2°C até 2100. Se não, se seguirmos como estamos fazendo, a temperatura média pode subir 2,4°C até 2050 e daí para frente vai ser um espiral de desgraça chegando a 4,3°C de aumento até 2100. (tabela abaixo).

Portanto, precisamos reconhecer a urgência. A janela para manter a crise climática dentro de limites seguros está fechando mais rápido do que se esperava. E por isso, há uma movimentação de tentar antecipar os prazos das metas de redução de emissões. Tudo indica que atingir o balanço de emissão zero em 2050 já não será bom para nós. Há um trabalho para acelerar essa meta, trazendo, para 2030, o corte até metade. Essa será mais uma das questões difíceis do encontro em Glasgow.

Agora que a gente já sabe a importância da redução das emissões e já está torcendo pela antecipação desses prazos, voltemos ao mercado de carbono, que é uma ferramenta para dar incentivos econômicos para os capitalistas entrarem nesse barco, caso o futuro não seja motivo suficiente.

Sobre o mercado de carbono
Dezenas de sistemas de precificação já foram adotados na forma de taxação de emissões ou comercialização de cotas via mercado de carbono. Segundo relatório da CNI, citando dados do Banco Mundial, as iniciativas de precificação de carbono cobrem cerca de 21,5% das emissões de GEE mundiais, com 64 iniciativas. Os preços de comercialização variam entre US$ 1 e US$ 137/tCO2e, sendo que mais de 51% das emissões de GEE cobertas por sistemas de precificação de carbono têm preço médio de US$ 10/tCO2e.

O tal do Artigo 6. Você sabe o que é?
O mercado global depende de estrutura organizacional e governança adequadas para virar realidade. O mecanismo poderá ser aplicável a todos os países, seja por meio de transações de carbono entre governos (o Artigo 6.2 do Acordo de Paris) ou que envolvam projetos no setor privado (Artigo 6.4). Esses são outros dos pontos cruciais do encontro global do fim do mês. Neste item do artigo 6 tem relação com o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), um instrumento financeiro para o setor privado investir em projetos voluntários de redução de emissões. O debate esquenta na hora de definir a transição sem ruptura de diretos adquiridos na versão anterior, estabelecida no Protocolo de Kyoto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Uma transição mal planejada também poderia desmobilizar iniciativas que já estão em desenvolvimento.

São muitos interesses, muitas decisões e muitos impactos. E em poucos dias essa conversa, dura, entra em uma etapa importante, que pode nos preparar como humanidade para responder aos eventos, tendências e perturbações perigosas que este clima em constante mudança já está criando. Nessa luta, cada segundo de inação e cada 0,1 de um grau de temperatura a mais conta. É contabilizado em termos de vidas perdidas, casas incendiadas e inundadas. Vou jogar baixo aqui e colocar aquele dado chocante da UNICEF (link abaixo): 1 bilhão de crianças estão “extremamente expostas” aos impactos da crise climática. E se as criancinhas não apelam para você, vamos falar de dinheiro. A destruição de valor é estimada em trilhões de dólares.

Esperança para acabar
Precisamos agir como humanidade. E estou torcendo para que essa seja a COP histórica e que os próximos eventos do grupo sejam de aplicação da regra, balanço e apresentação de bons cases sustentáveis.

*Cindy Correa é jornalista, estudante de química, está no comando da Comunicação da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) e quer começar um negócio de cosméticos verdes. Entre em contato com a autora: https://www.linkedin.com/in/cindy-correa-895568b/  e Cindy.correa@iba.org

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Referências:

Unicef – Um bilhão de crianças estão extremamente expostas aos impactos da crise climática

CNI – Mercado de Carbono: análise de experiências internacionais

Live Impacto Zero – Vídeo

Tabela – 6º Relatório IPCC

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