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Negócio de Valor Compartilhado versus Agenda ESG

Negócio de Valor Compartilhado versus Agenda ESG

Por Fábio Risério*Sob a provocação de uma aluna que me perguntou sobre a diferença entre o conceito de negócio de valor compartilhado e ESG, começo esse artigo indo direto ao ponto: vejo na abordagem de Negócio de Valor Compartilhado a mesma que norteia o ESG com base na sustentabilidade na estratégia do negócio.

Concorde-se ou não com a sua essência, aceite-se ou não o pragmatismo que a norteia, é inegável que estes conceitos são provocativos ao relacionar o tema da sustentabilidade com os negócios das empresas. 

Com argumentos consistentes, e a experiência de quem conhece a realidade corporativa, os criadores da abordagem do valor compartilhado, Michael Porter e Mark Kramer, apresentam uma crítica de fundo e uma tese central que, certamente, já fizeram muitos executivos refletirem a respeito, com as quais se relaciona a agenda ESG.

A Crítica

A sustentabilidade, que os autores chamam de Responsabilidade Social Empresarial, com ênfase na dimensão social, é em regra geral, genérica, passiva e fragmentada, resultado de ações dispersas da estratégia da empresa e, por essa razão, nem produz impacto socioambiental relevante, nem contribui com os negócios da empresa no longo prazo. Com isso, Porter e Kramer acreditam que as empresas desperdiçam oportunidades de conciliar prosperidade social, equilíbrio ambiental com resultados positivos para os seus negócios. 

A Tese

Tratando-a como aspecto estratégico, definido a partir dos mesmos olhares que norteiam as principais decisões corporativas, a sustentabilidade pode ser uma fonte de oportunidades, inovação e vantagem competitiva.  

Em síntese, vejo no conceito de valor compartilhado e ESG a proposição de que as empresas deixem de agir induzidas pela “dor”, leia-se crises, e por terem que submeter suas agendas sociais ao interesse de terceiros, sejam comunidades, sociedade civil organizada e governo. Ao invés disso, que identifiquem os impactos – não apenas os negativos, mas também os positivos – sobre seus stakeholders e priorizem temas relacionados com o contexto do seu negócio, adotando uma pauta socioambiental capaz de combinar estratégia empresarial com sustentabilidade. 

Quanto maior é a relação de um tema socioambiental com os negócios das empresas — acreditam os autores— maior é a oportunidade de mobilizar recursos em benefício da sociedade e do meio ambiente. Isso vale tanto para o valor compartilhado como para o ESG.

Para Kramer e Porter, são quatro os argumentos utilizados para defender a prática da responsabilidade social empresarial – dever moral, sustentabilidade, licença para operar e reputação – apresentam o erro comum de ressaltar a tensão entre empresa e sociedade, e não a sua interdependência. É como se sugerisse um permanente conflito de interesses, num cenário marcado, de um lado, por governos e organizações que cobram o comportamento socioambiental responsável de empresas, e de outro, por empresas preocupadas em solucionar seus impasses. 

O resultado é a dispersão de iniciativas, uma mistura de ações filantrópicas e medidas paliativas que até produzem algum ganho em relação a sua imagem, mas, isoladas, não geram resultados transformadores nem para a sociedade, nem para o meio ambiente, tão pouco para o sucesso nos negócios. 

Para melhorar o ganho destas iniciativas, alcançando o que os autores classificam como “Negócio de Valor Compartilhado”, Porter e Kramer sugerem uma abordagem mais estratégica da responsabilidade social. Segundo eles, os temas socioambientais que afetam uma empresa podem ser ilustrados sob três tipos: o primeiro reúne os mais genéricos, que importam à sociedade, mas não interferem de modo relevante nos negócios da empresa nem influenciam a sua competitividade. O segundo afeta significativamente as atividades operacionais da empresa. E um terceiro impacta o contexto competitivo da empresa. 

A recomendação dos autores é para que as empresas identifiquem esses temas e os selecionem conforme as estratégias dos seus negócios e o potencial de mudança que podem gerar. Vejo esta premissa tanto no conceito criado pelos autores como no ESG.

Investir em temas que estão relacionados intimamente com os impactos gerados pelos negócios podem ser mais estratégicos e causarem mais impactos positivos numa comunidade do entorno de uma empresa do que investir na melhoria da qualidade do ensino nas escolas desta comunidade, por exemplo.  Isso explica por que, há alguns anos atrás, a C&A mudou a missão do seu instituto e passou a atuar na redução, eliminação ou compensação das externalidades ao longo de sua cadeia de valor. 

Muitas empresas têm seguido o mesmo caminho. Na análise dos autores, nenhuma questão socioambiental é mais importante do que outra. Quaisquer que sejam as escolhidas pela empresa, os especialistas recomendam que ela adote uma pauta social específica, claramente diferenciada, inserida em sua proposta de valor, capaz de exceder as expectativas de uma comunidade, gerando benefícios sociais e econômicos.   

A parte mais expressiva dos recursos empresariais– defendem Porter e Kramer – deve ser concentrada no que chamam de RSE Estratégica. São sempre mais estratégicas as ações que conseguem transformar atividades da cadeia de valor para beneficiar a sociedade e ao mesmo tempo fortalecer a estratégia de negócios. Ou as que produzem recursos para melhorar áreas relevantes do contexto competitivo.

E o ESG?

Ao meu ver, o posicionamento dos autores quanto ao negócio de valor compartilhado também vale para a agenda ESG, que chegou como um tsunami no mercado financeiro e ao público mais amplo, Porém, também vejo o risco desse tema ser tratado de forma muito superficial.

Já assistimos de perto isso acontecer com alguns mercados e temáticas, como “coaching” e até “sustentabilidade”. A apropriação de termos que estão em alta por aqueles que desejam apenas capturar oportunidades de mercado é comum e muitas vezes acaba esvaziando seu significado.

Para aqueles que questionam se ESG é apenas uma onda, acredito que não é — ou, pelo menos, não deveria ser. Há anos vem acontecendo um movimento muito maior. Que repensa o modo como fazemos negócios e como nos relacionamos. Que questiona o papel das empresas como meras geradoras de retorno financeiro para os acionistas. O conceito de valor compartilhado traz essa nova abordagem de geração de valor para todos os stakeholders do negócio na sua essência.

Assim, propõe um olhar mais humano e integrado à sociedade na sua forma de operar. Que rompe o mito de que para que alguns ganhem, outros devem perder. Que pensa o benefício individual a partir de um benefício coletivo gerado. Como o seu próprio nome enseja, é um valor compartilhado!

Aqui é onde acredito que existe uma grande oportunidade que estamos perdendo, seja pelo conceito de valor compartilhado ou ESG. Não adianta atuar nestas agendas sem mudar o antigo modo de operar. Querer aderir a esta onda de forma superficial, para ganhar rapidamente um “selo” é a velha forma de operar, que não funciona mais.

Por fim, respondo de forma assertiva para a minha aluna, não vejo diferenças significativas entre o conceito de valor compartilhado e ESG. Vejo nos seus pilares a intenção de transformar os negócios das empresas em ações que gerem prosperidade para elas e, ao mesmo tempo, para a sociedade e o meio ambiente.

Já tivemos a oportunidade de trabalhar, de forma mais acentuada, com o conceito de valor compartilhado em um passado recente, mas agora estamos diante de uma oportunidade única, com o ESG, que desejo sinceramente, possamos aproveitar de forma mais contundente.

*Fábio Risério é consultor, professor convidado e instrutor em entidades como a Fundação Dom Cabral, FIA, PUC-Campinas, Fundação de Direito de Vitória/FDV, ABERJE, Instituto ARC e Instituto Ethos e sócio-diretor da Além das Palavras: Negócios Éticos e Sustentáveis

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